segunda-feira, dezembro 12, 2005

ARCEBURGO -2

– 06/07/85 – a chegada –

Dia

Após horas e horas da esburacada estrada de asfalto solitária à noite entramos à direita por uma estrada de terra batida secundária, depois novamente à direita por uma rua de acesso que mais parecia uma trilha de tração animal. Chegamos assim à primeira porteira de madeira. Descer abri-la, esperar a passagem da perua, fecha-la, subir novamente.

A escuridão era total e apesar do inverno o frio não parecia nos afetar. Os faróis da perua atraíam os insetos que voavam atravessando-os, atrás deles apareciam vez por outra um curiango ou um morcego. Os odores dos campos e dos currais chegavam a nós em lufadas ocasionais de um vento lento, quase denso. O Tempo parecia adquirir características próprias dilatando-se ou contraindo-se independente de nossa percepção ou vontade.

Cegamos finalmente ao sítio após mais algumas porteiras, essas de arame farpado. Paramos a perua próximo à casa e começamos a descarregar as coisas levando-as para dentro. Amanheceria em poucas horas. Mara acendeu o fogão a lenha e começou a preparar alguma coisa simples para nos alimentarmos e descansarmos da longa e cansativa viagem.

Noite

No início os dias longos, com o correr do tempo os mais curtos e o fim do que parecia ser demais. O fervilhar da mente que ansiava ou espreitava o acontecer futuro. Muitas eram as cores poucas as origens. Insistia como que me arremessando contra um muro de cabeça, a cada dia em que tudo podia ser como o planejado ontem. Predizendo a morte e a vida, ou quem sabe o corte da navalha fétida, ou a virada repentina naquela esquina mágica.

O triângulo místico que se desdobra em quadrado sem se perder e faz do três sete, quatro mais três, capturando as linhas do universo que me permitem crer. A realidade construída a cada dia e reconstruída ao acordar. Reafirmando as certezas que tenho daquilo que é real. Sete mais três, o dez perfeito em harmonia una com o divino eterno, seja um deus barbudo e sábio, ou uma luz incorpórea superior e criadora. Noites sem fim me arremessando de cabeça contra um muro.