quarta-feira, maio 23, 2007

URBE - 31

OUTONO

As formas belas, as formas feias, as desconcertantes formas. Sempre me interessei em saber o que determinava as formas dos objetos apreendidos por minha percepção. A realidade de descontar um cheque, um número para cada registro, um saldo para cada conta. Uma vela acesa em meio a tantas lâmpadas, perturbava-se a qualquer movimento sua chama. Como um espírito maléfico ela veio carregando sua fúria, excluiu minha música, criou um vento forte, quase apagou a vela, sua chama trêmula. Inquietou meu espírito e saiu levando seu ódio acumulado e o vento do sul. Aos poucos a normalidade do equilíbrio se restituiu em meu coração. Registrei a falsidade e a relatividade das coisas. O álcool misturou-se novamente à fumaça do cigarro. Apenas o vibrar tênue da porta batida em minha cara se deixava ouvir ecoando em algum lugar de minha mente.

Deitei-me no chão e relaxei profundamente controlando minha respiração. Inspirava, retinha o ar, expirava e retinha o diafragma contraído com pouco ar nos pulmões. Cada ato no mesmo intervalo de tempo, contava cada segundo concentrando-me apenas na respiração. Senti o corpo fundindo-se à terra até perder a identidade de ser. Passei a não-ser em etapas lentas e perceptíveis. Não me convenci, não adotei posições descartei todas as opiniões prévias. Poderia enganar-me por isso recuei a realidade da percepção. Qual a escolha certa? Como atingir a polipolaridade, sem antes ter experimentado a dualidade infinita? Mergulhei na solidão absoluta de estar presente neste universo sem fim. Senti o metal frio a passar pelos lábios.

O barco cortou as águas calmas do lago imprimindo uma rota em sua superfície homogênea. Rota que jamais se repetiria apesar de existir eternamente enquanto una. O passado-futuro-presente dependeriam, então, diretamente entre si, tornado-se unos mais uma vez. A incerteza de ter a raça sido criada sem objetivo aparente, a necessidade de objetivar, de criar um propósito divino incompreensível para a mente finita e humana. Além da perpetuação, um código, desde o mais simples e primitivo, protogênico ser, ao mais evoluído multiplamente diferenciado.