sexta-feira, janeiro 19, 2007

URBE - 27

SABAT

Adiei, sempre adiei. Muitos amanhãs vazios, estéreis. Uma voz a me dizer o que fazer, como agir. Calei-me na solidão. Num impulso inesperado puxei a faca e enterrei-a em meu peito, vi o sangue a fluir. Sábado pela manhã mordi a madeira e acordei sem ter dormido, tentei esclarecer. Ponto de referência casual. Desintegração lenta, gradual, longa, quase permanente de minha mente. Intacta a partícula se deslocava com trajetória dúbia, indefinida.

Entre um julgamento e outro processei minha mentira. Iludi-me sem querer ver a realidade dos fatos encadeados. Virei as costas para afastar-me lenta e decididamente, ignorei suas súplicas. Neguei a existência do que não via. Desenrolei o tapete de minha imaginação e percebi que não tinha fim. Ansiei por um momento que nunca viria. Disseram-me que isso não poderia assim ser feito, havia normas a obedecer, regras impostas e dogmas a respeitar, por nossa santa estreiteza. Insistíamos na inviabilidade de processos, em uma metodologia inadequada, não víamos a fecundidade comprometida, ilógica. A falta de opinião e de caráter nos levava a uma moralidade estanque, rígida, falsa e hipócrita.

Despertar de um novo dia, a possibilidade de encontrar uma nova visão, outra percepção. Senti-me diferente. Rolar. Pedras rolando, poeira, fumaça. Gotejar milenar, infinito, sol refletido em gotas que se elevavam do riacho, acenavam as árvores, suas folhas. Entrava ar, saia ar, meus braços coordenavam com as pernas, empurrando para trás a água. As rochas senti, sua aspereza. Músculos retesados, a brisa gelada me aqueceu e o sol pálido que brilhava sobre as copas das árvores da floresta me dizia que estava consciente.

O terminal rodoviário foi tomado por hordas invasoras sincronizadas de suor e carne, malas e esperanças. Pressenti o ciclone humano que teria pela frente, ajeitei a mochila às costas, segurei firmemente o cano de suporte do metrô. Pelo vidro da porta a minha frente a periferia era coberta por uma mescla de fumaça e noite. Passou, lento, o metrô, pela ponte, rio de águas desconhecidas.
Nuvens frias se aproximavam, o vento penetrava nos lares. No alto da montanha eu observava a paisagem, meu olhar se espraiava. O fim da fase clara do dia, estímulos diferentes, percepções diferentes. Ouvia o eco do grito guerreiro, o guerreiro virou pó, seu grito permanecia.