sexta-feira, outubro 13, 2006

URBE - 18

Paralelo 54º S

Naquela sala escura não pensava, não pensava, deixara-me à deriva. Meu corpo protestava. Esquecera. Não, não esquecera, lembrara-me como nunca poderia pensar. O trem passou por uma janela como um corpo qualquer. Poderia ser uma pedra. As janelas tremeram, senti a vibração no cimento quente. Peristáltica agonia interminável. O tempo que antecede a ação, o tempo, agora.

Gostaria de tê-la visto, mas o tempo não permitiu. Não o tempo absoluto inexistente. O tempo dos homens sim. Permiti-me chamá-lo assim. É de tempos em tempos que se perde o tempo que não existe. E a existência desaparece em acelerado tempo.

Vermelho era seu planeta em qualquer lugar. Via-me tal e qual me reproduzira certa vez diante do espelho. Vibrava meu olhar por atravessar o espelho espesso da consciência. Admirava seu andar a cada requebrar. Sentado à mesa do bar representava o papel que me fora entregue ao nascer, acreditava-me incapaz. Hora sim, hora não. E sonhava, sonhava e sonharam. Vez por outra um navio, outras simplesmente a andar.

Outrora ouvira sem pesar tudo o que passara, o som ardente que me alertava a mente. Passava os dias a contar os dias. Não os dias de um ciclo natural, os ponteiros do relógio ou os números do digital, contava os dias de minha mente. Sempre iguais, mas diferentes, deixava-os passar. E por enfrenta-los, senti-me tão diferente e por demais igual. Contemplei a lágrima incandescente da tinta de seu olhar.

Pensando às noites virava-me entre o suor e os lençóis enrolados em minhas pernas. Pela parede via os carros a passar, mas só os via quando passavam. E por não passar fiquei parado deixando para trás o futuro. O deserto desolado, árido, rude. Vesti-me às pressas, às avessas. Paralelo 54º Sul, limiar da vida, renascer da morte. E para quem fica o inferno ardente e o grito eterno a ecoar na mente, a vibrar pelo corpo e me fazer suar nas noites frias. Sem tremor, sem sofrimento. Ácido corroendo a cada manhã e o derreter lento em meio ao asfalto. Era como gritar e não ouvir.

Passei a cogitar se ela gostaria de um diálogo franco e aberto, mesmo que não a pudesse esquecer. Eu mesmo não sabia se gostaria de ter esse diálogo. Não queria que ela sentisse frio no inverno da noite dos tempos. No entanto passava os dias a tremer dizendo que uma forte fadiga me faria esquecer.