sexta-feira, setembro 22, 2006

URBE - 15

MERDA

A mesma merda de sempre, eternamente merda, do frio à garoa, do vento ao frio, do vômito solitariamente líquido em uma esquina de uma grande avenida a estar sentado em um confortável bar. De estar aflito e confuso a estar calmo e confiante. E o acelerado pulsar de uns olhos que apenas enxergam sem ver. Quando vislumbrando um altar profano e ver o bisturi satânico que reflete a inconsciência, à luz criadora-destruidora do desejo, torna-se real o corte que se aprofunda na carne sem sentir. E o som cortante de alguma música que transmite o rodar pesado da máquina que desliza vagarosa pelas ruas à procura de alguém que nunca viu.

Sentia sono, muito sono, dores musculares e o peso na coluna. A dor sem dor. Fiz tremular a bandeira. A reta indefinidamente curva. Os erros, sempre os erros, somavam-se, multiplicavam-se. Definir, definir, parecia que precisava incansavelmente definir e praticar. Dividir uma pedra ao meio, em seguida dividir ao meio as metades resultantes e a cada nova série de metades continuar a dividir. Ir aos limites de onde não se pode ir, ir aos limites de onde não se deve ir.

A música me levava a tempos remotos despertando minha mente para lembranças infinitas e meu corpo para o movimento. Situação sem domínio. Aguardei o fim da peça atrás das cortinas que se fechariam no palco. Conversei com a garota de rosto branco, delicadamente beijei-a, era bela para mim. Minha mente não se acalmava e os sentimentos descontrolavam-se em meu ser. Alquimista dos séculos vindouros. Vínculos atrofiados, desarticulados, vítimas da incoerência fálica dos símbolos adotados.

Vivi a loucura agravada pela normalidade do caos da grande cidade. No diálogo o contato de suas mãos em movimentos circulares, oraculares. O vapor subia do asfalto molhado turvando as imagens dinâmicas elevando-as sem parar. As paredes transmitiam uma falsa segurança, as cercas, arames e alarmes também. Espectrais seres construíam a invisibilidade estrutural de meus caminhos. Precisava a todo custo descobrir o segredo que se encontrava a minha mente, conhecer meu futuro, meu passado.

Circundei a praça. A fumaça espiralizava-se em múltiplas fitas paralelas apresentando uma quase estabilidade. Sacos de lixo amontoavam-se e a poeira pairava no ar. Intersecção una que aproximava e irmanava todas as coisas na grande cidade.

Esquecer, esquecer. Precisava desviar-me de uma rota para tentar esquecer, pois tudo passava e passava rápido por minha mente em desarmônico movimento. E tudo fluía para fora e para dentro sem padrão definido. Aos machos as fêmeas, às fêmeas os machos, à merda a merda.