quinta-feira, junho 15, 2006

URBE - 6

31/07/90

Oscilei com dúvida entre o anunciado e o real, a imaginação tortuosa tecendo tramas, evocando imagens e a realidade apresentando-se linear. Esquadrinhei o terreno à procura de um bar, noite fria, vento gelado, ausência nas ruas. Procurando estabelecer um ritmo, começo e fim de uma jornada inexistente, de minha mente que ansiava alguma posse vil.

A vi passar, o ondular de seu cabelo acompanhando o ritmo da melodia assobiada por aquele que entrava no bar, idêntica à ensaiada pelo dono do bar a instantes. Imagem real da virtual realidade das ruas desertas, silenciosas, cúmplices. O aroma de café do filtro de pano sendo lavado ao meu lado confundia-se com a imagem do vapor do banho-maria à frente. Essa mistura de sons e imagens lançaram-me a uma realidade paralela, presente nas brechas, nas sombras das paredes de um beco esquecido de um bairro tranqüilo.

O ruído do pedalar descontínuo do menino contrastava com o som cortante do jato que se deslocava a algumas centenas de metros acima de nossas cabeças. O cruzamento das ruas era a roleta-russa da vida monótona da cidade. Procurei os caminhos paralelos para fugir à multidão que se arrastava circunspeta, hipnotizada como todos os dias.

Havia alguém atrás, na frente ou ao lado, não sei. Parecia que me seguiam por algum motivo qualquer. Senti a paranóia absoluta de um ser quase esmagado pela opressão interna. Insegurança do que viria a ser. Não ser, desintegração da imagem há tanto adorada levando-me à quebra do padrão imposto. Olhei-me no espelho sentindo-me como um estranho, convidado a uma festa familiar.