URBE - 5
Como em um dia qualquer esperei a chuva passar para sair de casa e pagar uma conta no banco. Sempre pagando contas, interminavelmente pagando contas. Caminhei entre a multidão que se deslocava em todas as direções. Cada um com sua hora marcada, cada um com seu atraso, cada um com sua derrota, cada um com sua vitória. Indo, voltando, atravessando ou apenas caminhando por caminhar. Passei pela padaria e tomei um café antes de seguir meu caminho.Cheguei ao cruzamento ainda sentindo o gosto do café expresso, cada tragada que dava no cigarro ressaltava seu sabor. Parei esperando o sinal fechar e permitir que atravessasse a avenida. Olhei para baixo. A meus pés a poça de água da chuva me dizia que ela não passara totalmente, via suaves pingos caindo lentamente dispersos. Como um espelho deitado a poça refletia o prédio a minhas costas e as nuvens acima, imagem distorcida movendo-se a cada pingo.
A chuva, ainda se encontrava presente na cidade. Vi o carro que deslocou seu peso sobre o asfalto molhado, à minha frente. A vibração de seu rodar espalhando-se como uma onde pelo asfalto até atingir a calçada onde me encontrava. A roda esquerda dianteira atingiu a poça e de repente o tempo pareceu congelar-se, ou melhor, pareceu adensar-se e tornar-se mais lento. O espaço a minha volta também adquiriu dimensões diferentes expandido-se em uma luminosidade opaca. Senti que entrava em uma dimensão paralela que atraía toda minha atenção, toda minha consciência de ser. Os ruídos da cidade pareciam distorcidos como por efeito dopler mas diferente, chegavam a meus ouvidos vindo de longe.
A poça ganhou dimensões desproporcionadas aumentando de tamanho quando a olhei fixamente. Na verdade parecia que eu a via desde um ponto mais baixo do que meu campo de visão normal, como se estivesse deitado. Nessa nova perspectiva ela se apresentava como um lago a minha frente. No entanto também a via desde o ponto de vista normal, de cima como uma poça, como se estivesse em pé. Era como se eu fosse duas pessoas diferentes encerradas em um só invólucro perceptivo, em um só corpo.
Vi cada uma das fases da formação da onda provocada na poça. Pude discernir as gotas maiores que se destacavam de sua crista enquanto avançava em todas as direções antes de alojar-se em meus pés. O motor do carro que passava roncando alto como se fosse a fragmentação do céu, a realidade se rasgando. Ouvi também, como vindo de muito longe, os gritos de susto que emergiram do interior de duas mulheres que conversavam, distraídas, a meu lado, enquanto aguardavam, também o sinal para atravessar.
O tempo passou, o sinal abriu para nós, atravessei a avenida com uma estranha sensação que me acompanhou até o banco. Após a fila e pagar as contas saí do banco para a rua sentindo novos aromas na cidade. As nuvens se dispersavam, o sol forçava sua passagem através delas e a água de chuva espalhada pelos carros, pelos prédios, pelas escassas árvores, pelas ruas e pela calçada reluzia recebendo a luz do sol e criando uma nova atmosfera urbana.


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