URBE - 12

O navio deslizava pelas águas dos oceanos com fluidez e graça. A espuma branca que se fazia ao lado da proa tornava-se luminosa à noite. Noctilucas iluminado as águas empurradas pelo casco. Visto que vez por outra se deslocava até Karachi, poderia dizer que era um navio mercante comum. Poderia dizer também que era um navio ultrapassado tecnologicamente, pertencente ao passado. Como que envolto por um nevoeiro eterno derivando sem rumo.
E aparentemente sem rumo o navio se deslocava e parecia sempre ir a Karachi mesmo quando sua rota o afastava de lá. Durante o dia a claridade da cabine de comando, a visão ampla do horizonte a sua frente. As intermináveis tarefas de manutenção, algo para pintar, um rumo para marcar. O vento trazendo aromas e o sol refletindo-se em tudo, nos metais polidos, na tinta branca, no alaranjado dos salva-vidas, nas cristas das ondas que se deslocavam ao redor. Durante a noite a luz avermelhada tornando tudo opaco, unidimensional, sem profundidade aparente. O brilho das estrelas, a vibração das máquinas mais presente.
Navegava interminavelmente sem nunca tocar um porto. Às vezes o odor de uma ilha verdejante o atingia quando ele passava próximo mesmo sem avista-la. Durante as tempestades que encontrava em seu caminho navegava com a experiência de quem há muito navega por mares revoltos. Surfando em suas ondas, cortando-as à diagonal quando necessário. E como quem navega nas ruas de uma grande cidade ele navegava pelos mares sempre indo a Karachi.
Como tripulante vi aos poucos a água do mar modificar sua cor, tornava-se mais escura enquanto a contemplava naquela manhã. Do verde azulado transparente tornando-se mais escura impedindo a penetração dos raios solares. E cada vez mais escura tornando-se cinza primeiro, quase preta depois. E os aromas mudaram e passaram a parecer mais fortes, uma mistura de algo podre e gases tóxicos. E meus olhos estavam mais próximos da água cuja superfície se tornava mais áspera e rugosa. Podia até mesmo ver alguns grãos de granito e pequenas lâminas de mica que refletiam o sol. E a vibração constante das máquinas do navio se tornaram um ruído constante que invadia meus ouvidos.
Quando uma grande sombra impediu por segundos o toque dos raios do sol que me tocavam senti que chegava de volta a meu corpo. As dores se espalhavam por meus músculos. Minha língua seca parecia gigante em minha boca. O vômito seco enrijecia-se em meu queixo. A luz do sol me ofuscou fortemente quando me afastei do chão e tudo parecia girar. Nas têmporas o latejar constante me dizia que a ressaca seria forte. No estacionamento onde fora a festa da noite anterior espalhavam-se papéis sujos, copos plásticos e algumas garrafas perdidas. Lembrei-me do começo da festa não do que acontecera depois. “Onde ficaria Karachi?”, pensei enquanto me levantava trêmulo e ainda mareado.


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