segunda-feira, outubro 02, 2006

URBE - 17

TENTO

“Preços, preços, apenas preços, tudo tem seu preço. Compre, compre tudo que se compra. Tempo, tempo, circulus paratus. Percorre o tempo que o preço compra e comprova que pelo menos tento”.

E fora assim que vagando pela rua deserta o louco ziguezagueou seu tempo. Hora chovia, hora fazia sol, às vezes ventava. Frio calor e não sei mais o quê. Assim ziguezagueava o louco pela rua vagando seu tempo deserto. “Advertência, advertência, cuidado com a chegada do tempo”. E de rebuscadas formas não explicava nada. “Confuso, confuso quo pele tenos mento”, dizia em voz alta. Rádio sinal de um emissor vindouro. “Páquetnas para a lua ventro”, gritava pelas ruas desertas. E não se entendia o que dizia. Eu nem pelo menos tento.

A velha senhora estava encostada no muro com falta de ar e desamparada. Suas roupas impregnadas pela fuligem invisível da cidade. Velhas vestes fora de moda reaproveitadas. Percebia-se por seu olhar que a verdadeira causa de seu mal-estar nada mais era que a imensa ansiedade de se encontrar totalmente só na grande cidade, sem ter a quem recorrer. Policiais a abordaram quando ela agitava suas mãos pelo ar em silenciosa súplica. Um deles, revista à mão, pôs-se a falar, enrolava a revista o mais que podia apertando-a com as mãos. A conversa fora confusa até a chegada da enfermeira que a segurou gentilmente pelo braço colocando-a dentro do carro vermelho. Foram-se também os policiais, a janela agora vazia.

A sirene surgiu cortante por entre os carros, algum vazamento de gás, seguiu veloz. A criança olhava desatenta pelo teto solar do carro, alguém a buzinar. E a cidade acelerava seu ritmo prenunciando a chuva. Mais trade a água a cair dos céus, o incenso a queimar. E o retorno pareceu-me familiar apesar do longo tempo de relaxamento. Mexer os dedos dos pés, das mãos, torcer a cabeça, espreguiçar. De novo cada célula de meu ser parecia ressaltar o ato de estar consciente. Mais ágil a mente parecia deslizar. Idéias e dedos pareciam se conjugar numa torrente de palavras formadas quase sem parar. A cidade tornou a crescer e eu escrevia freneticamente.

Sentei-me na esquina como se não tivesse nada a esperar. E esperar o que nessa cidade onde tudo acontecia sem parar. Já não se tinha mais o que pensar, agir. Velhas palavras voltavam a rondar.