ARCEBURGO - 4
– 08/07/85 – segundo dia –
Dia
Era madrugada, momento em que a noite está mais escura, um frio cortante penetrava pela janela, poucos sons se ouviam. O ruído de metal contra metal e em seguida um mugido, logo outros mugidos e então um grito anasalado, agressivo, autoritário e repetitivo alongou-se na escuridão “Vããããããcaa!”, “Vãããããcaaaa”. Era hora de acordar, as vacas estavam sendo levadas para o curral. Podia ouvir o roçar de seus corpos na folhagem da floresta seus cascos batendo no chão a cada passo. Podia até mesmo distinguir um bezerro com seu mugido infantil e seus passos mais leves. E novamente o grito “Vããããcaa!”.
Hora de levantar, vesti rapidamente a roupa do dia anterior, passei pela cozinha, ateei o fogo que se abriu em uma chama amarelada projetando minha sombra pela cozinha. Tomei uma caneca grande de água e a enchi de novo saindo para ver a noite. Sentei na escada da porta da cozinha e enrolei meu primeiro cigarro enquanto contemplava as estrelas do céu de inverno. Os sons vindos da cozinha me disseram que o dia começava, Mara saiu para pegar o leite no curral e Marcelo veio para fora para começarmos mais uma vez a regar as mudas frutíferas. Começamos a mil, Mara voltou e preparou somente café que tomamos enquanto limpávamos e afiávamos nossas ferramentas.
Saímos para o córrego carregando ao ombro as ferramentas. Eu sentia a pressão dos cabos da enxada, do enxadão e da foice e mudava as ferramentas de um ombro para o outro, as mãos ainda ardendo o suor começando a descer pelo pescoço. A neblina fina cobria as partes mais baixas do terreno e o frio se fazia sentir na brisa suave que nos acariciava. Trabalhamos mais uma vez até as onze da manhã quando Mara nos chamou, mais uma vez batendo a panela.
Tomamos o café, reunidos mais uma vez, e novamente retomamos o trabalho repetindo a jornada do dia anterior. Víamos lenta e progressivamente a paisagem mudando sob o impacto de nossas ferramentas e sentimos a satisfação que o homem do campo tem ante seu trabalho realizado. As pilhas de capim se alinhavam conforme escavávamos as touceiras. O cheiro da terra fendida se elevava quente espalhando-se por meu rosto. O sol dispersava a neblina fina e ardia sobre nós e nossas ferramentas não paravam. E assim passamos vários dias repetindo nossa nova rotina de trabalho.
Noite
Ao cruzar uma rua, estrada, não saber ao certo. Ao olhar para trás sem querer parar, pode haver ou não alguém a acenar. Se em dita estrada ou rua, seja de asfalto ou terra, podemos, ao olhar novamente para trás, enxergar a poeira que envolve quem ficou a acenar como um sonho de infância, distante, mas intocado, talvez possamos vislumbrar um pouco de nossa essência perdida. Sentir a solidão de quem parte que só aumenta ao ver quem acena abraçado pela poeira da estrada que mais e mais nos distancia.
E um sorriso estranho a chamar como se fosse um pranto a proclamar a solidão extrema à que renega esta dócil raça chamada humana seus semelhantes às vezes por não poder falar, às vezes por não poder fazer, quase sempre por não concordar. Raça tal que solenemente decretamos aos brados cada vez que vemos uma pomba morta a apodrecer ao lado da sarjeta banhada pela água suja e fétida que escorre pela porta metálica de um bar fechado.
Dia
Era madrugada, momento em que a noite está mais escura, um frio cortante penetrava pela janela, poucos sons se ouviam. O ruído de metal contra metal e em seguida um mugido, logo outros mugidos e então um grito anasalado, agressivo, autoritário e repetitivo alongou-se na escuridão “Vããããããcaa!”, “Vãããããcaaaa”. Era hora de acordar, as vacas estavam sendo levadas para o curral. Podia ouvir o roçar de seus corpos na folhagem da floresta seus cascos batendo no chão a cada passo. Podia até mesmo distinguir um bezerro com seu mugido infantil e seus passos mais leves. E novamente o grito “Vããããcaa!”.
Hora de levantar, vesti rapidamente a roupa do dia anterior, passei pela cozinha, ateei o fogo que se abriu em uma chama amarelada projetando minha sombra pela cozinha. Tomei uma caneca grande de água e a enchi de novo saindo para ver a noite. Sentei na escada da porta da cozinha e enrolei meu primeiro cigarro enquanto contemplava as estrelas do céu de inverno. Os sons vindos da cozinha me disseram que o dia começava, Mara saiu para pegar o leite no curral e Marcelo veio para fora para começarmos mais uma vez a regar as mudas frutíferas. Começamos a mil, Mara voltou e preparou somente café que tomamos enquanto limpávamos e afiávamos nossas ferramentas.
Saímos para o córrego carregando ao ombro as ferramentas. Eu sentia a pressão dos cabos da enxada, do enxadão e da foice e mudava as ferramentas de um ombro para o outro, as mãos ainda ardendo o suor começando a descer pelo pescoço. A neblina fina cobria as partes mais baixas do terreno e o frio se fazia sentir na brisa suave que nos acariciava. Trabalhamos mais uma vez até as onze da manhã quando Mara nos chamou, mais uma vez batendo a panela.
Tomamos o café, reunidos mais uma vez, e novamente retomamos o trabalho repetindo a jornada do dia anterior. Víamos lenta e progressivamente a paisagem mudando sob o impacto de nossas ferramentas e sentimos a satisfação que o homem do campo tem ante seu trabalho realizado. As pilhas de capim se alinhavam conforme escavávamos as touceiras. O cheiro da terra fendida se elevava quente espalhando-se por meu rosto. O sol dispersava a neblina fina e ardia sobre nós e nossas ferramentas não paravam. E assim passamos vários dias repetindo nossa nova rotina de trabalho.
Noite
Ao cruzar uma rua, estrada, não saber ao certo. Ao olhar para trás sem querer parar, pode haver ou não alguém a acenar. Se em dita estrada ou rua, seja de asfalto ou terra, podemos, ao olhar novamente para trás, enxergar a poeira que envolve quem ficou a acenar como um sonho de infância, distante, mas intocado, talvez possamos vislumbrar um pouco de nossa essência perdida. Sentir a solidão de quem parte que só aumenta ao ver quem acena abraçado pela poeira da estrada que mais e mais nos distancia.
E um sorriso estranho a chamar como se fosse um pranto a proclamar a solidão extrema à que renega esta dócil raça chamada humana seus semelhantes às vezes por não poder falar, às vezes por não poder fazer, quase sempre por não concordar. Raça tal que solenemente decretamos aos brados cada vez que vemos uma pomba morta a apodrecer ao lado da sarjeta banhada pela água suja e fétida que escorre pela porta metálica de um bar fechado.


2 Comments:
Daniel,o livro vai ficando pronto.A descrição milimétrica e nem por isso fria,dos cheiros, dos sons,das bolhas,do trabalho,me relembra passagens que já vivi,sons que já ouvi.Menos a comida macrobiótica,argh!
Mas até os cigarros de palha são tb meus.Meio rural,meio urbano,delicadamente e atentamente combinados.Prabéns,cara!
Em que colina fica Arceburgo?
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