URBE - 35
Passada a noite entre um livro, um jornal, um filme na tevê e cigarros, muitos cigarros. A saudade de um grande amor, um amor. Não, do amor a uma pessoa. Uma pessoa que respira, indivíduo único e inimitável, insubstituível por ser único. Novamente a distância, não física, mental. Amanheceu vazio o maço, cheio o cinzeiro. Desci, repeti mecanicamente o ritual de sair. Cumprimentei e fui correspondido ao passar por minha vizinha que conversava com suas amigas à porta de um carro.
Caminhei em direção à padaria sem ter certeza da solidez da calçada. Entrei e encostei no balcão metálico, não importava qual, pedi um café. Desconfiei do casal ao fundo, fiquei de prontidão. Saiu o casal resmungando. Entraram uma velha e uma jovem não tão jovem, porém sensual, voz rouca. O negro magro segurava dois copos vazios em uma mão. Foram ao fundo, a velha e a jovem não tão jovem. Perguntei-me: Conspiravam? Uma tradicional senhora comprou quatro maços de cigarros, enquanto seu café com leite esfriava criando uma nata sobre o balcão. O vapor a mantinha a distância. Outros deslocavam-se por ali imperceptíveis ou comuns, rotineiros.
Três bêbados arrastavam-se pela calçada quando avistaram o movimento matutino e sentiram seus estômagos a clamar por uma refeição. Dois ficaram fora, um entrou a suplicar. Dono e funcionários, a empresa em si, procuraram repeli-lo com, inicialmente, gritos agressivos, fisicamente, talvez depois. Cada pessoa abordada pelo bêbado abaixava o olhar sem responder. Outros desviavam, simplesmente ignoravam. Eu acabara de receber o troco e ao virar-me, lá estava a mão com restos de dedos segurando trêmula um cigarro, em cima de uma chaga, sangue coagulado. Por segundos considerei, olhando de relance a nota que tinha em minha mão. O caixa respondia a minha pergunta e eu mais não o escutava. Levantei o olhar e encarando o bêbado, disse-lhe para sair de minha frente de forma ríspida. Precipitei-me então de encontro à calçada, agora sólida.
Na volta detectei a presença do sol pelo reflexo em um prédio a minha esquerda. Passei pela vizinha que ainda conversava, vi-a pelas costas, não houve sequer o esboço de um aceno. O elevador subiu, não parava de subir. Apesar da demora não me impacientei, percebi-a sem interesse. Quando o elevador parou abri a porta, desci lentamente e peguei a chave para entrar no apartamento. Na dúvida fui verificar pela janela o tempo que passara. Ao abri-la não poderia dizer se era dia ou noite, não havia escuridão, não havia claridade. Não a claridade-escuridão da luz-sombra, a certeza do que existia apenas. Sentei-me atrás da mesa e pinguei algumas gotas de colírio. Voltei à janela, lá fora as pessoas pareciam estar paradas ou se deslocavam a imperceptível velocidade. O cair do cigarro que escorregara de minha mão fez-me perceber essa lentidão do mundo físico uma vez que parecia pairar no ar. Não queria mais pensar, deitei-me e quis dormir até nunca mais.
Caminhei em direção à padaria sem ter certeza da solidez da calçada. Entrei e encostei no balcão metálico, não importava qual, pedi um café. Desconfiei do casal ao fundo, fiquei de prontidão. Saiu o casal resmungando. Entraram uma velha e uma jovem não tão jovem, porém sensual, voz rouca. O negro magro segurava dois copos vazios em uma mão. Foram ao fundo, a velha e a jovem não tão jovem. Perguntei-me: Conspiravam? Uma tradicional senhora comprou quatro maços de cigarros, enquanto seu café com leite esfriava criando uma nata sobre o balcão. O vapor a mantinha a distância. Outros deslocavam-se por ali imperceptíveis ou comuns, rotineiros.
Três bêbados arrastavam-se pela calçada quando avistaram o movimento matutino e sentiram seus estômagos a clamar por uma refeição. Dois ficaram fora, um entrou a suplicar. Dono e funcionários, a empresa em si, procuraram repeli-lo com, inicialmente, gritos agressivos, fisicamente, talvez depois. Cada pessoa abordada pelo bêbado abaixava o olhar sem responder. Outros desviavam, simplesmente ignoravam. Eu acabara de receber o troco e ao virar-me, lá estava a mão com restos de dedos segurando trêmula um cigarro, em cima de uma chaga, sangue coagulado. Por segundos considerei, olhando de relance a nota que tinha em minha mão. O caixa respondia a minha pergunta e eu mais não o escutava. Levantei o olhar e encarando o bêbado, disse-lhe para sair de minha frente de forma ríspida. Precipitei-me então de encontro à calçada, agora sólida.
Na volta detectei a presença do sol pelo reflexo em um prédio a minha esquerda. Passei pela vizinha que ainda conversava, vi-a pelas costas, não houve sequer o esboço de um aceno. O elevador subiu, não parava de subir. Apesar da demora não me impacientei, percebi-a sem interesse. Quando o elevador parou abri a porta, desci lentamente e peguei a chave para entrar no apartamento. Na dúvida fui verificar pela janela o tempo que passara. Ao abri-la não poderia dizer se era dia ou noite, não havia escuridão, não havia claridade. Não a claridade-escuridão da luz-sombra, a certeza do que existia apenas. Sentei-me atrás da mesa e pinguei algumas gotas de colírio. Voltei à janela, lá fora as pessoas pareciam estar paradas ou se deslocavam a imperceptível velocidade. O cair do cigarro que escorregara de minha mão fez-me perceber essa lentidão do mundo físico uma vez que parecia pairar no ar. Não queria mais pensar, deitei-me e quis dormir até nunca mais.



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