domingo, junho 10, 2007

URBE - 36

VIA URBANA

O trem partia ou chegava sem definição. O brilho falso ofuscava o odor. A massa metálica, imperfeita, adquiriu velocidade aumentando sua energia. Lentamente, à distância, outra massa infinitamente diferenciada deslocava-se perpendicularmente à trajetória da massa metálica. Cultos secretos baseados na posse de uma pena vermelha de uma arara nativa espalhavam-se pelo país. As nuvens pareciam abraçar a estação.

Primeira etapa. De manhã peguei o ônibus, relembrei o trajeto. O automatismo levando-me a descer. Procurei a rua certa, não vacilei. A rua estendia-se em aclive lento, cruzando com outra. À esquerda a feira com seus aromas e sons característicos, à direita caminhões e motoristas displicentes e corroídos descansavam ao sol.

Segunda etapa. A calma de um santuário envolvia o lugar. As palavras mesmo ásperas propagavam-se doces. O incenso apagado não exalava seu odor. Algo existia além da frieza profissional que me levava a delirar, a devanear. Lá fora o sol esquentava o asfalto, abafava as vontades.

Terceira etapa. O sol se escondia, então, nossas cabeças. O calor parecia vir de todas as partes, como um grande forno. O aclive se acentuou, meu ritmo se acelerou, meus pés tornaram-se pesados, minha respiração ofegante. O suor cobrindo as sobrancelhas drenou e irritou-me os olhos.

Quarta etapa. Cheguei ao topo do morro e olhei a cidade que crescia desordenadamente. No início casas de barro, aos poucos monumentos. Argamassa, cimento, aço, asfalto, mármore. A natureza rapidamente eliminada. Veículos cada vez mais rápidos, pessoas se aproximando. Morros perfurados, concretados. Rios tampados, canalizados. Transporte aéreo e subterrâneo. O crescimento unindo uma cidade à outra e, como em uma reação em cadeia, tornando-se uma só no vasto litoral do continente. A soberania não fazendo mais sentido, poucas inacessíveis áreas permanecendo intocadas. A vertigem me invadiu e eu fechei os olhos.