quinta-feira, novembro 16, 2006

URBE - 22

LUA

Minha face estava tensa, o coração acelerado, movimentos trêmulos. Deveria tomar uma decisão mais uma vez. Novamente falei ao telefone sem saber o que dizer. Após desligar percebi a que ponto o telefone era impessoal. Pus-me a meditar atrás da mesa. Olhei ao redor sentindo-me isolado no quarto. Abri a janela e minha percepção transportou-me ao mundo exterior. Aos poucos senti-me como uma gotícula deslizando pelo ar sem vento, quase parada. Era a própria garoa que cobria a cidade tornando-a mais cinza do que de costume, senti o vento suave a me carregar.

Desci, corri sem pensar. Pulei um muro sem soltar o bagulho. O suor a arder nos olhos, o gosto de sangue a invadir a boca. Mesmo assim, escalei a ponte rumo à avenida. Evitei atropelos e nervosismo. Chamei um táxi e fugi rapidamente.

Ao acordar senti na pele o calor do sol e este envolvendo o corpo. Caminhando entre árvores, postes talvez, não sabia ao certo parecia aos poucos me libertar da noite anterior. Tropecei em um buraco, escorreguei na lama. Não pude acreditar em tamanha solidão. Ter alguém para os momentos vazios, para aplacar a solidão. Entreguei-me a uma ridícula expressão de sentimentos que ofuscou a plenitude de minhas realizações individuais. Tornei-me um homem sentimental, opaco, infrutífero, manobrado. A sopa queimando na panela gasta, o leite fervendo e apagando o fogo, gás, uma faísca e a explosão.

Entrei no ônibus e espalhei minha carne por um banco. Enjoei-me a cada freada, odiei, inicialmente, o motorista, logo toda a civilização. Perda de tempo. Deitei-me fumaça, acordei água. Encheram-se os bares, conversas, danças, realidades encobertas pela música. Luz, maquiagem, roupas e gestos programados. Aperto de mão, tapas nas costas, sorriso automático. Acabaram-se as horas, nada mais existia, salas vazias, bitucas no chão.

A lâmina cortando dentro, não, o sangue escorrendo e a dor, a dor. Roscas apodrecendo nos mercados, suas prateleiras. O vidro impedindo a visão, o tato, o odor. Olhos arregalados, pele enegrecida pela fuligem, dura. O chão frio como cama, papelão o cobertor, o céu da cidade teto em esplendor.