URBE - 20
A noite quente, muito quente, quente como em qualquer lugar. Naquela cidade uma rua, nessa rua um prédio, nesse prédio um quarto. No quarto alguém que rola na cama sem parar, lençóis enrolados. Às vezes pensava que era eu, muitas vezes não sabia. O som dos carros passando se espalhando pelas paredes. O som de alguém a andar no andar de cima, seus passos, móveis arrastados. Primeiro uma cadeira, depois levemente a mesa. As passadas firmes da fêmea na rua o som de seus saltos batendo na calçada ecoando pelo quarto e eu imaginando a cadência de seus quadris. Sons se misturando e cadenciando meu rolar pela cama, de um lado para outro como em um mar revolto sem fim.
Talvez um cigarro e a janela para acalmar. Com certeza novamente a cama e a escuridão. E a vida a passar sem parar, sem pensar, pensando tudo outra vez. Talvez o pensar.
E tantas páginas espalhadas pelo quarto sem um pensamento para as ligar. Por que teria que liga-las em uma só noite? Perguntava-me enquanto rolava. Talvez não pudesse esperar, talvez começara a pensar no futuro. O futuro. Não percebera quando havia ocorrido, mas o fato era que o passado não mais representava o meu problema principal. Minha memória tornara-se seletiva e estava lentamente reconstruindo meu passado a partir das experiências presentes. E o presente? Ilusão temporal. As imagens do pensar, imagenspalavrassímbolos, meu corpo a sentir, a responder e eu a olhar.
O amor que tantas esperanças me trouxera escorria pelas mãos e o tempo avançava implacável, ora lento, ora rápido, mas sempre avançava, insistia em avançar. Mas não seria por minha própria natureza? Pensava. Via-me ora feliz com muitas histórias para contar, ora infeliz com minha amargura para calar. E por que ser tão amargo se a vida não passava de uma ilusão de quem podia imaginar? Muitas eram as perguntas naquela noite, nenhuma ou poucas as respostas. Talvez e sempre talvez, nunca a certeza.
Não saberia por onde começar. Estava certo de que algum dia, em breve, chegaria aquele momento que previra quando criança. Aquele momento em que teria que tomar a única e grande decisão de minha vida. Não sabia nem mesmo de onde tirara tal idéia fatalista, finalista, determinista. Mas era um começo, sentia-me à beira de uma grande decisão, como sempre me sentira. Sentia uma tensão que me roubava o sono. Mas seria o sono tão necessário para quem está para morrer a qualquer momento como qualquer um de nós? Era a morte, ela a única certeza que me acompanhava. Era isso eu estava morrendo e o tempo se escoava. A cada dia menos tempo, a cada hora mais uma chance para minha companheira de vida me enlaçar com seus braços.
Num instante a imagem de um sorriso, o mesmo sorriso que me perseguia como querendo me dar a felicidade do mundo, a felicidade da vida, e eu como que a fugir de um predador atroz. Magoava o sorriso constantemente. E assim, quando menos esperava materializou-se o sorriso no corpo de uma mulher. Uma mulher cujo amor não teria encontrado jamais. Desde o instante em que a conhecera sabia que não a poderia contentar, embora fosse meu maior e único desejo. Prendia-me a conceitos e sentia-me inseguro ante o desconhecido. Na verdade tinha medo de fracassar, tinha medo de errar.
Gostaria de compartilhar as maravilhas da vida e com ela contemplar quantos dias me fosse possível. E as horas passavam lentas na noite sem sono e no bater constante do teclado. O rádio transmitia qualquer coisa de tal. Não saberia dizer quando tudo começou, apenas parecia não ter fim. E meus dedos deslizavam pelas teclas como sempre que queria pensar, o cigarro caído apagado como sempre, tudo como sempre e sempre, sempre.
Descendo pela rua escura desafiava meus próprios medos, como andando com os olhos fechados. Fornido não percebia a poça d’água que entrava pelo sapato. Sentia o formar de uma gota em meu rosto, só então percebi que chovia. E olhando a chuva, a chuva. E aquele raio que não vira, nunca mais. E a perspectiva futura, passada, presente. Colapso. Imagens. Ruptura. O fim. O fio.
Talvez um cigarro e a janela para acalmar. Com certeza novamente a cama e a escuridão. E a vida a passar sem parar, sem pensar, pensando tudo outra vez. Talvez o pensar.
E tantas páginas espalhadas pelo quarto sem um pensamento para as ligar. Por que teria que liga-las em uma só noite? Perguntava-me enquanto rolava. Talvez não pudesse esperar, talvez começara a pensar no futuro. O futuro. Não percebera quando havia ocorrido, mas o fato era que o passado não mais representava o meu problema principal. Minha memória tornara-se seletiva e estava lentamente reconstruindo meu passado a partir das experiências presentes. E o presente? Ilusão temporal. As imagens do pensar, imagenspalavrassímbolos, meu corpo a sentir, a responder e eu a olhar.
O amor que tantas esperanças me trouxera escorria pelas mãos e o tempo avançava implacável, ora lento, ora rápido, mas sempre avançava, insistia em avançar. Mas não seria por minha própria natureza? Pensava. Via-me ora feliz com muitas histórias para contar, ora infeliz com minha amargura para calar. E por que ser tão amargo se a vida não passava de uma ilusão de quem podia imaginar? Muitas eram as perguntas naquela noite, nenhuma ou poucas as respostas. Talvez e sempre talvez, nunca a certeza.
Não saberia por onde começar. Estava certo de que algum dia, em breve, chegaria aquele momento que previra quando criança. Aquele momento em que teria que tomar a única e grande decisão de minha vida. Não sabia nem mesmo de onde tirara tal idéia fatalista, finalista, determinista. Mas era um começo, sentia-me à beira de uma grande decisão, como sempre me sentira. Sentia uma tensão que me roubava o sono. Mas seria o sono tão necessário para quem está para morrer a qualquer momento como qualquer um de nós? Era a morte, ela a única certeza que me acompanhava. Era isso eu estava morrendo e o tempo se escoava. A cada dia menos tempo, a cada hora mais uma chance para minha companheira de vida me enlaçar com seus braços.
Num instante a imagem de um sorriso, o mesmo sorriso que me perseguia como querendo me dar a felicidade do mundo, a felicidade da vida, e eu como que a fugir de um predador atroz. Magoava o sorriso constantemente. E assim, quando menos esperava materializou-se o sorriso no corpo de uma mulher. Uma mulher cujo amor não teria encontrado jamais. Desde o instante em que a conhecera sabia que não a poderia contentar, embora fosse meu maior e único desejo. Prendia-me a conceitos e sentia-me inseguro ante o desconhecido. Na verdade tinha medo de fracassar, tinha medo de errar.
Gostaria de compartilhar as maravilhas da vida e com ela contemplar quantos dias me fosse possível. E as horas passavam lentas na noite sem sono e no bater constante do teclado. O rádio transmitia qualquer coisa de tal. Não saberia dizer quando tudo começou, apenas parecia não ter fim. E meus dedos deslizavam pelas teclas como sempre que queria pensar, o cigarro caído apagado como sempre, tudo como sempre e sempre, sempre.
Descendo pela rua escura desafiava meus próprios medos, como andando com os olhos fechados. Fornido não percebia a poça d’água que entrava pelo sapato. Sentia o formar de uma gota em meu rosto, só então percebi que chovia. E olhando a chuva, a chuva. E aquele raio que não vira, nunca mais. E a perspectiva futura, passada, presente. Colapso. Imagens. Ruptura. O fim. O fio.


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